sábado, 27 de agosto de 2011

A tarde


Hoje não te escrevo no silêncio da madrugada, escrevo-te por entre o barulho da claridade. Ainda há pouco a tarde me perguntou pela tua ausência, fiquei muda perante a incapacidade de uma resposta plausível. Como podemos responder ao desconhecido sobre uma interrogação que nos atormenta o ser, que poderia eu ter dito à tarde, quando muito podia enumerar mil motivos esfarrapados, com os quais nas noites de insónia me tento acalmar, mas como defender o entendível perante a luminosidade da tarde.  
Perguntou-me ela pelo som dos teus passos cautelosos, pela tua sombra na parede branca, pelo som da tua voz no corredor da imaginação. Eu ali estava muda olhando-a nos olhos com receio dos seus pensares, não por mim mas por ti, que escorregadio és nas permanências, que insidioso nas faltas. 
Meu amor, eu sei que sabes, que tenho razão, e que a tarde tem certezas, que teimas em desculpar, eu sei, todos os motivos inventados perdem caducidade à claridade, todos os recuos até alguns amuos que levas por diante, perante a luz do sol desfazem-se como bola de neve, quando aquecida pelo sol tímido de Janeiro. Eu sei meu amor, tu responderias à tarde que tudo são retiros, tudo são rodeios sem significado, sei também que me vais achar inoportuna por conversar com a tarde. Pois é meu amor, o silêncio que me impões leva-me a procurar outras conversas, acho que amanhã estarei a escrever à tarde, enquanto tu te distancias numas voltas sem sentido.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A falta

Sabes que horas são, duas da matina e o sono onde anda? Acho que se perdeu na boémia de Agosto, enquanto a lua se entretém tentando enganar as sombras. O pior de tudo não é a falta do João Pestana. É a falta de sono da falta.
Sabes quando nos falta uma costela, pois, acho que não sabes a meu ver ainda as tens todas, já eu acho que me faltam pelo menos meia dúzia, não me olhes com essa cara, quantas vezes te preciso repetir que não estou doida, nem a sonhar, se tenho os olhos mais abertos que a lua cheia que decora a noite, e ainda consigo olhar-me de frente apontando um a um os meus defeitos. Até tu concordas que os tenho portanto é este meu fulgor que me torna mesquinha, comigo mesma. Faz comigo as contas e no final diz-me que não é assim.
A lembrança da meninice é vaga, adolescência perdeu-se atrás do sol-posto, anos verdes foram-se há tanto tempo, que o seu rosto desconhece este, que agora me olha no espelho, e tu que devias ser presença, és esse misto de ausência intemporal, claro, eu sei, assim não está bem nem mal.
Outra falta que me afronta e me faz Zumbi em tela de cinema a preto e branco é a escrita. Corrijo, a minha escrita, sem ela as faltas seriam muito mais marcantes, e com ela a falhas que lhe encontro tornam a falta agoniante.
Não coces a orelha, ainda arranjas aí uma brincadeira qualquer com essa mania de tanto te coçares de cada vez que me perdes, não no sentido figurado de perca, porque meu amor com esse não precisas de te preocupar, parecemos mexilhão preso na rocha, por mais ventania e marés que faça, quando se solta é um soltar momentâneo. Sabes, às vezes acho que quando um de nós der o salto para o outro lado, mesmo assim vamos arranjar maneira de comunicarmos um com o outro.
Tu perdes-me sim, quanto a isso não restam dúvidas, por isso me viras as costas, é uma maneira de ganhares fôlego, para me reencontrares nos encontros repetidos. Um dia ainda vamos falar sobre esses reencontros e as emoções remendadas. Há quem se socorra do ópio. Ah esse brilho no olho engana-te.
Como te estava a dizer as faltas na minha escrita mareiam, e tu não ajudas nada com essa mania de não teres permissão para a revirares. Mania sim, uma pessoa lúcida também pode ser cheia de manias, sabias. Voltando à escrita, será que nunca terei sossego, que não chegará o dia em que me leia e goste realmente do que estou a ler, ó céus, pareço uma daquelas mães que botam filhos no mundo só por botar. Está bem eu corrijo, que deitam filhos no mundo como quem descamisa maçarocas de milho. Ainda não está bem? Então e assim, que fazem, digamos assim trequelareque, nascem os filhos e que se f… Ai, vês se te curvasses sobre a minha escrita, esta era muito mais alindada.
Meu amor, a noite está quase no fim, eu sei, estavas a gostar da prosa, amanhã garanto que volto ao assunto.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

saltos de dez


Faz algumas horas que não te escrevo, mas agora o bichinho começou a roer, é mais forte que eu. Tantas as coisas que tenho para te dizer que não caberia tudo na eternidade, mas tu tens esse condão fatalista de correr com os meus pensamentos, eu sei meu amor não é caso pensado, - porque me olhas dizes tu- no momento mais impróprio, naquele em que respiro fundo e tento articular palavra, que se esvai na tua interrogação. Respondo simplesmente pelo prazer que me dá olhar-te.
Então sou obrigada a escrever-te. Vai longa a saga onde tento transcrever a junção da nossa vida.
Quando te digo que te prefiro longe, nunca duvides da minha palavra, de seguida se te disser chega-te a mim, olha que nunca falei tão sério, eu sei sou um caso complicado com o qual tens que aprender a viver, dizem que as mulheres são complicadas, ou esqueceste?
Mas tu também tens os teus momentos complicados, lembraste quando fizeste birra porque estavas constipado e eu achei que a doença não era de cuidado, pois, não se morre de constipação, quando muito de gripe, ou será que morre? E naquele dia em que teimaste bater perna pela cidade às três da tarde com quarenta graus à sombra, lá me arrastastes atrás de ti pelas ruas empedradas, de encontro às paredes brancas. Resultado estraguei as sandálias acabadas de comprar, que me custaram os olhos da cara, eu sei meu amor, quem me mandou a mim comprar umas sandálias com saltos de dez centímetros e da espessura de uma agulha, para vir passar férias numa cidade onde as ruas são todas a subir e vice-versa, com enormes crateras onde nascem beldroegas por entre o empedrado.
Mas sabes o que me fascina em ti, é que depois de cada raspanete que me dás, me pegas no colo e me embalas como criança, nesses momentos meu amor eu sei, não conseguimos viver juntos mas somos inseparáveis.
Agora a noite vai alta beijo-te e mordisco-te a orelha, só pelo prazer de te ver sorrir.
  



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Seja bem vindo



Escrevo uma carta de amor a todos os amores que não tive, escrevo também para aqueles que vivi principalmente aos que sobrevivi.
Escrever uma carta de amor é um acto translúcido a que a nossa mente incita. Não terá necessariamente de ser uma carta apaixonada, escrevem-se cartas de amor sob os mais variados pretextos, às mais variadas pessoas ou situações, amor é tudo o que tocamos com carinho e admiração, pobre seria o amor se este caduca-se nas relações homem-mulher.
Amor é mãe, pais, irmãos, amizade, é o desconhecido também.
Amor é saber olhar o mundo que nos rodeia, saber distinguir a sua beleza do seu lado obscuro. Amor é cruzar-nos pela manhã com um desconhecido e termos a capacidade de lhe dizer bom dia.