Meu menino jesus, falo muito pouco contigo, talvez esteja em
falta, guardo há muito todas as nossas conversas para mais tarde, quando os anos
pesarem e na falta de amigos aí sim, falarei contigo, prometo que porei todas
as conversas adiadas em dia, não sei que pensas disto, podes achar sacrilégio
eu guardar as conversas para os momentos de solidão que a vida certamente me
trará. Porém hoje dedico algum do meu tempo apressado a uma conversa adiada.
Sabes, por um momento imaginei-me novamente criança, e se o
fosse pediria uma cesta cheia de chocolates como prenda de Natal, quando era
menina adorava chocolates, corria na manhã do dia 25 para a meia pendurada na
chaminé, onde o grande madeiro de Natal crepitava e as largas chamas se
assemelhavam a dragões, tinha ardido a noite toda e mesmo assim o grande tronco
de azinho ainda ia a meio, e lá estavam eles, os chocolates dentro da meia, um
pai natal pequenino e dois ou três bombons, o melhor presente que me poderiam
dar.
Imagino que aches estranho se eu te pedir chocolates este
ano, mas é isso mesmo que te peço, chocolates em forma de vontade, a vontade
que os senhores do mundo tem negado a todas as crianças que nesta quadra vão
passar frio e fome, sabes escrevo e penso muito ao longo do ano em todas as
crianças com fome, talvez porque mesmo crescendo sem pai, nunca passei fome,
nunca soube o que era frio no Inverno, nunca tive a barriga colada às costas,
mas imagino se a sorte me tivesse sido ainda mais madrasta, a sensação dos pés
descalços na lama nas manhãs frias de Inverno, ou o olhar aguado frente à porta
da padaria, onde todas as manhãs em dias de escola podia ir buscar um bolo, que
a minha tia mais tarde pagaria.

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