Numa hora em que o pensamento voa, dou por mim a escrever
mais uma carta sem tino. Tudo porque o mundo é redondo, o vento corre apressado
e os rios desaguam no mar.
Eu sei, que começarás por achar caricata uma prosa
deslavada e sem sentido, muito à maneira de quem não está nem aí. Como se o
estar ou não estar, fosse acto consumado na imaginação, ou mesmo no coração. Olho
para ti na impermeabilidade do insensível e reparo na angústia que escondes a
custo, no canto do olho.
Dir-te-ei contudo, não percas tempo, o tempo é valioso
para ser desperdiçado, na busca contínua do invisível, quando não conseguimos
sequer enxergar o que temos ao lado, de que serve desbravar o desconhecido.
Repara quando amanhece no brilho do sol, na frescura
das árvores, ou num carreiro de formigas, e verás que sabiamente se repetem,
dia após dia, tranquilamente, como se a noite por si só, invisível á sua
labuta, não estivesse ali ao virar da esquina. A mesma noite em que a alma
humana embarca, tolhida pelo receio de perder o que não se tem.
Nesta hora em que o pensamento voa, analiso friamente
o que resta da solidão, sem estar só, e chego à conclusão que tenho pena, pena
pela falta de coragem em ser. Ser como os cães vadios, aqueles que finges não
existir, e que, ao fim e ao cabo a mim e a muitos outros, tudo o que despertam,
é solidariedade, enquanto tu despertas pena. Como se errar e errante, não
vivessem paredes meias, como se não errasse quem julga seguir bitolas, ou quem
se encaixa numa sociedade comodamente controlada pelo comodismo.
Reparo que neste momento a mágoa virou ira, ira pelo
que lês nas entrelinhas desta carta de merda e que escrevo como quem está nem
aí.
A vida é muito curta, e nada acontece por acaso,
devias saber que somos regidos pelo eixo da terra que gira sobre si mesma, sem
que a lua possa tocar no sol, e que dia após dia, ano após ano, caminha mos
irreversivelmente por um caminho sem volta.
Então vive se
faz favor e deixa de vasculhar o nada.