Cartas a mim mesma

Escrevo-te, não porque goste de o fazer, como sempre te digo não passas de uma chata convencida.
Estás a ver, acabaste de o demonstrar com esse sorriso dissimulado, que te adivinho ao canto da boca.
Mas adiante, escrevo-te porque só tu me pareces entender, só tu sabes decifrar cada ponto final, em cada frase escrita, em cada verso perdido.
São tantas as vezes em que me pergunto, quem sou afinal, que força é esta que me faz pegar num pedaço de papel e ensopá-lo de sílabas e rabiscos que tão poucos entendem, qual a necessidade que me move em cada poema, em cada frase esculpida metricamente, em cada transfiguração.
Quero confessar-te um pequeno segredo, também tenho segredos, qual o poeta que não os tem. Podes pensar que é dissimulação, mas, por vezes tenho medo do que escrevo, tenho medo da força invisível das minhas palavras, dos sentimentos expostos, das raivas acumuladas e que se soltam como bala perdida em busca de um alvo.
Depois minha velha amiga, preciso de me desnudar e escrevendo é a forma mais racional em que o sei fazer, não desnudar-me no sentido relativo da palavra, mas desnudar os recantos escondidos da alma, aqueles que em meu perfeito juízo escondo a todo o custo.
O contra senso é que nos momentos em que deveria dizer de minha justiça me calo, essa outra coisa que não entendo, o bloqueio que me aflige nas horas mais impróprias, nos momentos em que deveria soltar tudo o que me moí, acerca-se de mim o silêncio, gélido de quem não está ali, de quem deu o salto para o infinito e lá se resguarda do mundo.
Depois olham-me como louca, esquecem-se que os loucos também sentem medo, também sentem frio. E como é frio o olhar acusador de quem não nos entende, mas mais frio ainda é quando fazem questão de não nos entender.
Hoje também me apetece dizer-te outro pequeno segredo, apetece-me falar-te da minha caminhada em busca de recordações para as quais não encontro ponto de referencia, é como se num tempo ido tivesse vivido uma outra vida, umas vezes essas recordações assolam-me quando penso que durmo o sono dos justos, outras vezes saltam como bonecos inanimados no bastidor do artistas, por vezes esses bonecos ganham vida em situações do dia a dia, numa leitura, numa foto de um qualquer lugar onde nunca coloquei o pé, mas que o meu olhar reconhece num primeiro reflexo.
Eu não te disse, só a ti posso escrever, não tenho mais ninguém a quem o possa fazer, quem me entenderia senão tu, quem estaria disposto a ouvir estas sandices, para no final me dizer, não estás louca, comigo passa-se o mesmo.

Julho 2010
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A noite vai alta, mais uma vez preciso de falar contigo, mais uma vez sinto uma força invisível que me leva a desnudar-me perante ti, num lavar de alma amedrontada.
Sinto uma necessidade que me impele a revelar-te alguns dos meus medos, nunca te disse, mas tenho medo de morrer sozinha.
Pergunto tanta vez a Deus porque não encaixo nesta vida, porque sinto que se morresse neste momento ninguém daria por nada, porque sinto que o mundo gira ao contrário, sinto-me presa a uma outra dimensão. Odeio as futilidades do dia-a-dia, por isso adio, deixo sempre para depois as conversas que deveria ter tido há muito, verdade, verdade, que nunca tens tempo para conversar, verdade, verdade, que gosto de conversas em silêncio, não me olhes assim, para quê desperdiçar o tempo em palavras vãs que nunca serão entendidas, em promessas que nunca serão cumpridas. Quantas vezes te tenho dito, de amanhã não passa, ponho o pé na estrada e vou ser eu mesma, vou acariciar as flores pela manhã, vou dizer bom dia aos pássaros, aos velhos na praça, vou sair de casa e procurar o meu rumo, porque sabes, eu também tenho um rumo, corre solto no vento e chama-me todas as noites, diz-me que ao longe a vida me espera, diz-me que se eu morrer esta noite, a vida morre ao longe.
Mas… depois fico acomodada tenho medo do escuro, tenho medo que a vida ao longe seja fria, tenho medo das promessas, dos pensamentos até de mim tenho medo.
Gosto destas conversas, gosto do teu ar desligado, minha amiga gosto que me abanes e me faças falar.

Julho de 2010
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Olá menina de mil palavras, que te vais desnudando ao olhar de quem te lê.
Há já algum tempo que não tinha necessidade de falar contigo, mas hoje depois de uma insónia daquelas em não preguei olho a noite inteira, também pudera, por aqui ontem fez tanto calor, e eu sem saber o que fazer em mais um dia de folga, onde tudo e todos trabalham menos eu, dormi, regaladamente a tarde toda, fazes o favor de não rir, querias que andasse na rua a queimar os neurónios, era só o que me faltava.
Como te estava dizendo não dormi a noite passada, mas ao contrário de outras noites de insónia, ao fim de algum tempo de infelicidade senti-me feliz, feliz por estar viva, feliz por ter uma imaginação fértil que me transporta para outros mundos e me mostra campos floridos no Inverno.
Tudo isto apenas para te dizer que escrevi em cada minuto de insónia, ah pois tu ainda não sabes, mas ando ás voltas com um romance, um destes dias mostro-te um capítulo, mas do meio da história que é para aguçar o apetite.
Escrevi uns versos também, tenho gostado de escrever o bem-dito romance que nunca mais está pronto, ainda não decidi se o cavaleiro mata o cavalo e fica com a dama, é que esta coisa de pensar que se é escritor é mais complicado do que parece. Voltando aos versos.
É nos versos que me dispo e dispo o mundo, é nos versos que me embalo, que procuro e descubro o amor, são os versos que me saram a alma, que me beijam e me dizem não pares nunca, porque precisamos de ti.
Mas tenho uma mágoa que nunca te contei, queria também ter uma costela que precisasse de mim e que sentisse de peito aberto, que eu também preciso.

 Julho 2010
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