Na boca da
madrugada tenho a alma vazia, mais uma vez o sono me renega, tal como renego os
caminhos que não sei. Quando o sonho acontece devemos lutar por ele, dar-lhe visibilidade,
credibilidade, devemos mostrar ao mundo o orgulho nesse sonho, quando o sonho
ou o amor acontecem não há barreiras intransponíveis.
Na boca da
madrugada o silencio me faz companhia, contudo ao longe a tua voz se faz ouvir,
devo estar louca, comodamente me aconchego na minha loucura, há tanto tempo que
vivo do som que o escuro me trás, o som da minha imaginação.
Sabes, não
sei se fui eu que errei ou se foi o vento, sei tampouco e ao mesmo tempo sei
tanto, sei que amei voraz mente, não sei se o tempo desse amor foi tempo
somente, sei que envelheci muitos anos, em muito poucos, não sei se a velhice
me trouxe a bendita sabedoria, sei que fiz de ti um deus, não sabia que seria
sempre o diabo a teus olhos. Não sabia que de alguma maneira acabamos por
encarnar a imagem que o tempo nos atira à cara.
Sabes quantas
foram as noites sem dormir, quantas as lágrimas, os sorrisos que não
aconteceram, sabes que nunca me olhaste, ou eu nunca me senti olhada. Todo o
tempo foi pouco, o tempo era sempre pouco para se olhar com preceito, contudo o
tempo sempre foi longo a esticar o molde em que nunca encaixei.
Sinto uma
mágoa calma, esta noite, lá está novamente a tua voz, chama por mim, diz
docemente o meu nome, baixinho, o meu nome é para ser prenunciado baixinho, não
vá a estrela acordar, a que dorme tranquilamente a teu lado, te embala o sono,
te cuida na presença, te chama de meu, contudo é o meu nome que dizes baixinho.
Não sei se
errei desalmadamente, ou se amei inocentemente, sei contudo que não me moldo
aos gestos alheios, sei também que estou sozinha, que sempre fui sozinha e
nessa solidão me senti esquecida em momentos inoportunos, senti que era bola de
pingue-pongue jogada de aberta em aberta, nas abertas que uma vida dada aos
outros disponibiliza. Sabes que mais, acabarei por pegar na bola, lança-la ao
alto e vou ficar aqui, sozinha remexendo nas minhas recordações, como companhia
tenho o amor de uma vida, o amor a quem a luz do dia nunca aqueceu.
Ah, e tenho
os gatos, são eles que velam por mim, na doença e na saúde, nos dias de inverno
ou quando o verão aquece, e sabes que mais são os gatos os únicos que me olham
e não me vêem a preto e branco.
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