quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Carta para ti




Na boca da madrugada tenho a alma vazia, mais uma vez o sono me renega, tal como renego os caminhos que não sei. Quando o sonho acontece devemos lutar por ele, dar-lhe visibilidade, credibilidade, devemos mostrar ao mundo o orgulho nesse sonho, quando o sonho ou o amor acontecem não há barreiras intransponíveis.

Na boca da madrugada o silencio me faz companhia, contudo ao longe a tua voz se faz ouvir, devo estar louca, comodamente me aconchego na minha loucura, há tanto tempo que vivo do som que o escuro me trás, o som da minha imaginação.
Sabes, não sei se fui eu que errei ou se foi o vento, sei tampouco e ao mesmo tempo sei tanto, sei que amei voraz mente, não sei se o tempo desse amor foi tempo somente, sei que envelheci muitos anos, em muito poucos, não sei se a velhice me trouxe a bendita sabedoria, sei que fiz de ti um deus, não sabia que seria sempre o diabo a teus olhos. Não sabia que de alguma maneira acabamos por encarnar a imagem que o tempo nos atira à cara.
Sabes quantas foram as noites sem dormir, quantas as lágrimas, os sorrisos que não aconteceram, sabes que nunca me olhaste, ou eu nunca me senti olhada. Todo o tempo foi pouco, o tempo era sempre pouco para se olhar com preceito, contudo o tempo sempre foi longo a esticar o molde em que nunca encaixei.
Sinto uma mágoa calma, esta noite, lá está novamente a tua voz, chama por mim, diz docemente o meu nome, baixinho, o meu nome é para ser prenunciado baixinho, não vá a estrela acordar, a que dorme tranquilamente a teu lado, te embala o sono, te cuida na presença, te chama de meu, contudo é o meu nome que dizes baixinho.
Não sei se errei desalmadamente, ou se amei inocentemente, sei contudo que não me moldo aos gestos alheios, sei também que estou sozinha, que sempre fui sozinha e nessa solidão me senti esquecida em momentos inoportunos, senti que era bola de pingue-pongue jogada de aberta em aberta, nas abertas que uma vida dada aos outros disponibiliza. Sabes que mais, acabarei por pegar na bola, lança-la ao alto e vou ficar aqui, sozinha remexendo nas minhas recordações, como companhia tenho o amor de uma vida, o amor a quem a luz do dia nunca aqueceu.
Ah, e tenho os gatos, são eles que velam por mim, na doença e na saúde, nos dias de inverno ou quando o verão aquece, e sabes que mais são os gatos os únicos que me olham e não me vêem a preto e branco.

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